11 de maio de 2018

No filme O processo, impeachment de Dilma foi uma grande farsa


Em ritmo monocórdio, O processo, de Maria Augusta Ramos, narra a queda da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) como ela foi: dramática, mas também cômica. Um relato “rodrigueano” da deposição da primeira mulher eleita presidente da República por um grupo de homens grisalhos que se reuniram em torno da figura histriônica do vice Michel Temer (MDB).

A partir dos seus aspectos burlescos, então, a diretora conta uma história colada ao ponto de vista da defesa, avançando aqui e ali para explorar os gestos e frases de efeito da advogada Janaína Paschoal, autora da denúncia contra Dilma, e de outros personagens dessa trama política que mobilizou o País por 180 dias.

Ao remontar os episódios que se seguiram à admissibilidade do impeachment pela Câmara dos Deputados, a cineasta recorre a detalhes que, tomados em conjunto, destacam-se pelo que têm de extravagantes. E, passados dois anos desde o afastamento definitivo de Dilma, eles não são raros.

A certa altura, por exemplo, um entediado senador Raimundo Lira (PSD) pede que um funcionário da Casa substitua a campainha em plena sessão que discutia as acusações. Segundo o parlamentar, o apetrecho “não estava à altura do momento histórico do País” — o som era muito discreto, soando como um despertador de criado mudo. Noutro ponto, a própria Janaína surge devorando uma caixa de Toddynho antes do reinício dos trabalhos.

Até que, já perto do final, uma cena inusual: defendendo-se no plenário do Senado, comandado pelo ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, a própria petista, que havia horas falava, se vira para o adversário Cássio Cunha Lima (PSDB) e ri sem motivo. O tucano, então, cai na gargalhada. Os dois demoram-se nesse gracejo mútuo ainda por algum tempo. São instantes de alívio em meio a um processo tenso.

Disso resulta que, no documentário, o impeachment seja tratado como uma peça de teatro. Todos atuam, do presidente do Congresso, Renan Calheiros (MDB), aos advogados de defesa e acusação.

Alguns são canastrões. Caso do tucano Antonio Anastasia e dos senadores Ronaldo Caiado (DEM) e Magno Malta (PR). Outros desempenham papel de heróis, como o do advogado José Eduardo Cardozo.

Nem tudo é zombaria, porém. O processo joga luz sobre bastidores importantes para compreender a via-crúcis de Dilma e os meandros da batalha jurídica no Senado no centro da qual estavam as enigmáticas “pedaladas” fiscais. Um deles diz respeito à liderança exercida pela senadora Gleisi Hoffmann, hoje presidente do PT. Cabe à petista a análise fria: àquela altura, ainda que fossem vencedores nessa guerra, Dilma já não reunia condições de governar.

O outro momento é quando Gilberto Carvalho faz o que se espera ainda hoje da legenda: uma autocrítica. No desfecho do filme, e com a presidente prestes a ser impedida, o ex-ministro, em momento de aguda lucidez, fala a um grupo de apoiadores o que talvez nenhum deles esperasse: golpe ou impeachment, o PT havia colaborado decisivamente para o melancólico capítulo final de 13 anos de governo.

Publicado originalmente no portal O Povo Online

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