21 de setembro de 2020

Brasil perde controle do desmatamento após anos de diminuição

 

A política ambiental ineficaz ameaça o acordo entre o Mercosul e a União Europeia (Foto: Mauro Pimentel)

O aumento de queimadas e desmatamento no Brasil, com o Pantanal sofrendo com um fogo sem precedentes, fez com que o debate ambiental ganhasse mais força. Especialmente depois que empresários do país e estrangeiros, além de organismos internacionais, passaram a cobrar do governo respostas mais efetivas de combate à devastação. A política ambiental ineficaz ameaça o acordo entre o Mercosul e a União Europeia, com a França reiterando a discordância em firmar a parceria frente ao descontrole atual que o Brasil vive.

Mas, quando foi que o país começou a se perder? Pesquisadores são unânimes ao apontar piora na situação após a posse do presidente Jair Bolsonaro, que antes de assumir já falava em tirar o Brasil do Acordo de Paris, um tratado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre a mudanças climáticas. A perda do controle ambiental, coma expansão do desmatamento na Amazônia, não começou em 2019. A devastação na maior floresta tropical do mundo vem aumentando desde 2015.

Professor titular de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola afirma que o Brasil sempre foi visto como um ator importante na perspectiva ambiental do mundo, mas sua importância estava relacionada ao poder de destruição. No início da década de 1990, passou a participar das discussões, durante o governo Collor, e tentou, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992 (Eco 92), realizada no Rio de Janeiro, apagar a lembrança da Conferência de Estocolmo, em 1972, quando o ministro Costa Cavalcanti, representando o Brasil, disse que a poluição era sinal de progresso.

A atuação positiva do país começou em 2005, no primeiro governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e durou até 2012, já no segundo mandato, quando houve uma redução drástica no desmatamento. Em 2004, a Amazônia Legal (composta por nove estados) perdeu 27,8 mil km² de vegetação. Em 2012, o número caiu para 4,6 mil km², redução de 83,4%. Na época em que a mudança começou, a ministra do Meio Ambiente era Marina Silva, política e ativista de questões ambientais.

Viola lembra que Marina foi sucedida por outros ministros importantes para a causa, como Carlos Minc, e o país viveu um período virtuoso, tendo sido muito elogiado internacionalmente por suas políticas e resultados. Em 2013 e 2014, no governo Dilma, no entanto, houve uma estagnação e, em seguida, os índices voltaram a subir.

“A situação de hoje não começou no ano passado. Claro que com Bolsonaro, chegou ao extremo pior. Mas, isso começou no segundo governo Dilma”, ressalta o professor, acrescentando que o discurso de Bolsonaro promove a devastação.

De fato, os dados mostram que foi neste período que a “chave” virou: foi quando o Brasil, que havia saído de um péssimo ator nas questões ambientais para se tornar um bom exemplo, voltou a ser vilão. Viola credita a mudança à crise econômica que ficou mais forte no país e, desde então, não parou mais. A prioridade da população também mudou, ao que o professor exemplifica falando sobre as candidaturas de Marina Silva à Presidência da República: se em 2010 e 2014 ela recebeu 19% e 21% dos votos, respectivamente, em 2018, ela teve apenas 1%.

Titular sênior do Instituto de Energia e Ambiente (IEA) da Universidade de São Paulo (USP), Pedro Roberto Jacobi ressalta que a mudança começou com a figura de Marina Silva como ministra. “Ela foi essencial para uma virada na política ambiental”, afirma. A posição foi mantida pelos que a sucederam, mas foi gradualmente mudando pelo cenário de crise que o país passou, culminando com impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

“Isso vai acontecendo de forma bastante sutil. O Congresso já tinha uma forte presença da bancada vinculada ao agronegócio, e a própria Dilma não tinha o mesmo apego à proteção ambiental; ela tinha uma visão muito mais pragmática e focada no desenvolvimento nos moldes tradicionais”, assinala.

Conforme o especialista, até a década de 1990, havia muito mais dificuldade de se mensurar os impactos do desmatamento. Com o tempo, os sistemas foram se tornando mais sofisticados, facilitando a fiscalização e controle. Na Eco 92, lembra ele, havia maior presença de ONGs e um avanço do ponto de vista do governo, que passou a discutir e melhorar a legislação ambiental.

“Foi um processo em que foi aumentando a própria consciência da população em relação ao tema meio ambiente”, diz. Depois disso, segundo ele, o país foi avançando na discussão, ainda que com altos e baixos.

Professor no departamento de Biologia da Universidade de Campinas (Unicamp), Carlos Alfredo Joly avalia de forma mais pontual que a mudança vista no Brasil tem relação direta com a aprovação no Congresso Nacional em 2012 do novo Código Florestal, amplamente criticado por ambientalistas.

“Trouxe um enorme perdão aos crimes ambientais cometidos até 2008. Quando você perdoa todos os crimes cometidos, você passa a mensagem que está tudo bem continuar cometendo, porque lá na frente virá a anistia”, afirma. Apesar de ser um código menos exigente, Joly pondera que é importante que seja aplicado, com registro de propriedades e definição de reserva legal.

Para o professor da Unicamp, a mudança no Brasil, de maior controle sobre o desmatamento, começou antes de Marina, no segundo mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), quando o Brasil chegou ao pico de destruição. “Houve uma movimentação grande de pesquisadores, repercussão no exterior e o governo resolveu congelar os desmatamentos na Amazônia, fez alterações no código florestal vigente”, ressalta.

A partir dali, já houve maior controle, com ações de fiscalização, que aumentaram de forma evidente no segundo mandato do ex-presidente Lula. Foi nessa época, em 2008, que o Brasil passou a receber recursos para o Fundo Amazônia. No primeiro semestre do ano passado, no entanto, o fundo perdeu recursos da Alemanha e Noruega, justamente pela falta de uma política ambiental eficaz. Em maio, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que iria reativá-lo.

Porta-voz de Políticas Públicas do Greenpeace, Luiza Lima afirma que o Brasil já liderou discussões ambientais e viu políticas implementadas surtirem efeitos. Luiza frisa que o país se destacou perante os demais ao adotar metas voluntárias de redução de emissão de gases de efeito estufa. “Ações contra o desmatamento eram uma política de Estado, com envolvimento de diversos ministérios, coordenadas pela Casa Civil. Havia prioridade”, ressalta. Para ela, o aumento das taxas de desmatamento chegaram aliadas à queda de investimentos, mas o discurso de preservação continuava. “O que já não ocorre hoje.”

Luiza afirma que o governo federal tinha um papel central de mediação, conduzindo as políticas e o debate, sempre entendendo, segundo ela, o meio ambiente como algo relevante. “Com o governo Bolsonaro, há grandes rupturas. O governo coloca-se como inimigo do meio ambiente. Não é nem que não promova uma agenda pró-meio ambiente. O governo coloca-se como inimigo. Deixou de ser mediador e passou a promover o conflito, tirando a sociedade civil do debate. Em vez de termos negociadores internacionais à frente da discussão ambiental, temos o chefe do Itamaraty (ministro Ernesto Araújo) negacionista das mudanças climáticas.”

Pedro Roberto Jacobi, da USP, alerta que o que está colocado, hoje, é um comportamento governamental de não tomar providência do ponto de vista de dotar recursos à fiscalização dos crimes ambientais e combate à devastação, aliado a um discurso que acaba flexibilizando as ações predatórias. “Ações que, de certa forma, estimulam o garimpo na Amazônia, o desmatamento em nome da mineração, em nome da expansão de áreas para gado”, pontua.

Esse processo, diz ele, deu-se deu ao mesmo tempo em que ficou mais explícita a perda de capacidade operacional para as ações de fiscalização. “Ele indicou um ministro do Meio Ambiente (Ricardo Salles) que deixou claro, na famosa reunião, que iria passar a boiada. Não podemos ignorar isso. Está documentado e mostra um comportamento predatório”, afirma.

Discurso do presidente Jair Bolsonaro minimiza desastres:

Julho/2019:

“Com toda a devastação que vocês nos acusam de estar fazendo e de ter feito no passado, a Amazônia já teria se extinguido. Inclusive, já mandei ver quem está à frente do Inpe para que venha explicar em Brasília esses dados enviado à imprensa. Nosso sentimento é que isso não coincide com a verdade, e parece até que está a serviço de alguma ONG.”

Agosto/2019:

“Quando se fala em poluição ambiental, é só você fazer cocô dia sim, dia não, que melhora bastante a nossa vida também, está certo?”

Setembro/2019:

“O índio não quer ser latifundiário pobre em cima de terras ricas.”

Novembro/2019:

“O pessoal da ONG, o que eles fizeram? O que é mais fácil? Botar fogo no mato. Tira foto, filma, a ONG faz campanha contra o Brasil, entra em contato com o Leonardo DiCaprio, e o Leonardo DiCaprio doa US$ 500 mil para essa ONG. Leonardo DiCaprio está colaborando aí com a queimada na Amazônia, assim não dá.”

Julho/2020:

“Quando acabar o nosso commodity, vamos viver do quê? Me desculpa, agora, baixando o nível, você vai viver de capim.”

Agosto/2020:

“Essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira.”

Setembro/2020:

“O Brasil está de parabéns na preservação ambiental.”

Com informações portal Correio Braziliense


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